bem brasil
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Postado em: 07/09/2023 - 10:32 Última atualização: 07/09/2023
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As lições de um líder

Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial

Perante os nossos olhos, uma partida de futebol pode expressar um sentimento de paixão, emoção, entretenimento, rivalidade, confraternização e outras reações diversas. Cada torcedor se relaciona de forma particular com o seu clube preferido. Uns são extremamente fanáticos e até mesmo passionais, outros são mais comedidos, porém não menos apaixonados.

Por trás desta paixão nacional há, notadamente nos clubes maiores e em alguns clubes de porte intermediário, uma estrutura organizacional assemelhada a de uma empresa comum. Eles têm, além do departamento de futebol propriamente dito, áreas de RH, financeira, marketing etc. Alguns clubes, com o propósito de aumentar o seu poder de investimento, competitividade e, é claro, evitar uma iminente falência da chamada associação de futebol, passaram a se organizar no formato de SAF – Sociedade Anônima de Futebol. A SAF, que é o que podemos denominar simplesmente de “clube-empresa”, é uma personalidade jurídica recentemente aprovada pelo governo federal e que é obrigada a ter uma estrutura altamente profissional, com modernos conceitos e práticas corporativos de governança e compliance. Não cabe aqui discorrer sobre o grande passivo das associações de futebol que aderiram a esse modelo, e que deverá ser resolvido ao longo dos anos com a contribuição da própria SAF.

Ao aderir ao modelo da SAF, seguindo os seus trâmites internos, o clube de futebol passa a contar além da sua estrutura tradicional, que tem um presidente, diretores e conselheiros, com a figura de um CEO, que é um dirigente com papel de executivo, assim como ocorre em empresas de grande porte. Ao lado dele atuam importantes profissionais, como o diretor de futebol e o CFO, que é o principal executivo da área financeira. Somente uma organização com este tipo de estrutura, é capaz de atrair investidores e até mesmo um grande investidor internacional como o Grupo City, controlador do gigante clube britânico Manchester City, que assumiu o controle da SAF do Bahia. 

Líder do Brasileirão, desde a terceira rodada, o Botafogo aderiu ao modelo da SAF e, depois de um 2022 apenas regular e um início de 2023 com um péssimo desempenho no Campeonato Carioca, vem colhendo os frutos de uma organização tanto dentro de campo, como nos bastidores. Nesse momento, após 22 rodadas, de um total de 38, o clube está a dez pontos do segundo colocado. E esse nível de diferença vendo sendo mantido há várias rodadas.

A montagem do elenco vem obedecendo a critérios técnicos e financeiros, levando em consideração a relação custo-benefício. Afinal, há por trás desta estrutura um grande investidor, que deseja que o seu capital gere um retorno atrativo, mesmo num ambiente altamente instável e passional como o futebol brasileiro. O Botafogo montou um time com jogadores desconhecidos do futebol brasileiro, porém com grande experiência no futebol europeu, mesmo que em clubes de menor expressão. Vários deles passaram por ligas menores, como a de Portugal, Grécia e de alguns países árabes. Não há no time uma “estrela”, sobre a qual recai toda a esperança do torcedor, e sim um conjunto harmônico de atletas com perfis parecidos, que praticam o futebol coletivo.

O clube conta com um departamento de scouting, que tem conseguido levantar nomes de jogadores, em diversas partes do mundo, com desempenho técnico e experiência em ligas europeias, por valores de contratação altamente favoráveis. Alguns foram contratados pelo clube sem que fosse necessária a compra dos seus direitos econômicos, pois estavam com os seus vínculos em fase de encerramento, sem a possibilidade de renovação por seus clubes. O scouting tem conseguido também identificar alguns jovens jogadores, com idade em torno de 20 anos, em clubes brasileiros e de outros países da América do Sul, com carreiras promissoras. O atual titular do gol do Botafogo, Lucas Perri, de 25 anos, foi descoberto no Náutico do Recife, que disputa a Série C do Brasileiro, emprestado e esquecido pelo São Paulo. Ele é apontado pela crônica esportiva como o melhor goleiro em atividade no futebol brasileiro. Seus direitos econômicos já foram adquiridos pelo próprio investidor do Botafogo, John Textor, que deverá emprestá-lo em 2024 para o Lyon, da França, do qual ele também é investidor.

Apenas dois ou três jogadores estão acima da média do elenco. E isso é uma lição que vale para a vida corporativa. É preciso ter um equilíbrio e coesão entre os membros de uma equipe, com clara definição de metas e objetivos e uma coordenação coesa, competente, atualizada, afinada com a direção da organização e ciente dos resultados a serem buscados.

A transição do treinador Luís Castro, que foi o responsável pela montagem do elenco atual, passando pela interinidade de Cláudio Caçapa, que dirigiu a equipe em quatro vitoriosas partidas, desaguando na efetivação de Bruno Lage, mostram o grau de profissionalismo na gestão do clube. Esses treinadores têm experiência internacional. O brasileiro Caçapa foi auxiliar técnico durante seis anos no Lyon e assumiu recentemente o comando técnico do RWD Molenbeek, clube belga da primeira divisão, cujo investidor é o próprio Textor. Somente após comprovar a sua capacidade, pôde assumir um clube de maior projeção.

O Botafogo tem grandes possibilidades de ganhar o título do Brasileirão 2023, a despeito da instabilidade momentânea da equipe. Mas o que importa destacar neste texto, é a criação de uma cultura altamente profissional, que deverá permanecer, independentemente de qual treinador estiver à sua frente e de quais jogadores estiverem atuando. A estrutura organizacional criada no clube, aliada ao crescimento do nível técnico e de competitividade do elenco, torna a missão de atuar num esporte que provoca fortes emoções muito mais promissora. Com isso, a vinda de conquistas esportivas, ao lado de resultados econômico-financeiros positivos, se torna algo plenamente factível, sustentável e duradouro.

Silvio Gonçalves de Souza – economista com pós-graduação em gestão e consultor empresarial

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