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Postado em: 03/01/2023 - 08:43 Última atualização: 03/01/2023
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Debates, votação dos jurados e leitura da sentença

Fabiano Melo é especializado e pós-graduado em Direito Processual

Enfim, após dividir em quatro partes, chego a esta última edição sobre o assunto Tribunal do Júri.

Nesta última edição, abordaremos a parte final de um julgamento popular, os debates entre acusação e defesa, e a votação dos quesitos pelos jurados, com a sentença lida pelo juiz presidente do Tribunal do Júri.

Após ouvirem as testemunhas e interrogar o réu, a acusação, através do promotor de Justiça e assistente de acusação (advogado contratado pela família da vítima), começa a sustentar a tese de acusação, tendo uma hora e meia para isto, prazo este estendido quando se tem mais de um réu acusado no dia do julgamento.

Mas há como ser julgado mais de um réu no mesmo dia? Sim, no caso da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), quatro réus foram julgados, no caso Isabela Nardoni, dois réus, o pai e a madrasta.

Então, neste tempo que tem, o promotor pode sustentar sua acusação de maneira integral, completa, ou, no próprio júri, requerer a absolvição do réu ou até mesmo, entender que o crime ali é diferente do crime imputado no início. Mas como assim? Explico.

O crime é cometido, o acusado é preso e, na Delegacia de Polícia, testemunhas e acusado são ouvidos. O delegado de Polícia indicia o acusado, descrevendo em seu relatório final os crimes que ele entende ter o acusado cometido. O inquérito vai para o Ministério Público, o promotor de Justiça denuncia e aí nasce o processo. Nessa denúncia o promotor descreve o crime ou crimes que ele entende o acusado cometeu, podendo concordar com o delegado ou não.

Acontece que, durante o transcorrer do processo, principalmente após se ouvir testemunhas e também o réu pelo juiz, após novas provas serem colhidas, o promotor de Justiça pode, no dia do júri, entender que o crime ali a ser julgado seria diferente. Em simples palavras, o promotor pode sustentar uma acusação diferente daquela do começo do processo ou até mesmo entender que o réu deve ser absolvido.

A verdade é que ainda que o Ministério Público seja chamado de “órgão acusador”, é também conhecido como fiscal da lei e, se a lei demonstra o contrário, se o processo demonstra que a acusação do réu no começo não mais existe, o promotor deve ter a hombridade e o senso de Justiça de mudar seu entendimento.

Encerrada a fala da acusação, passa-se a palavra à defesa, que possui o mesmo tempo da acusação, sendo que, existindo mais de um réu para ser julgado, o tempo também é estendido, devendo os advogados acordar com a divisão do tempo e quem deve começar.

Aqui me lembro de um julgamento que participei em 05/12/2008, quando eram quatro réus e seis advogados e acordamos que o último seria o saudoso advogado criminalista Fausto Mesquita, maior tribuno do Júri que Araxá já conheceu, para encerrar com o estilo próprio de sempre as falas defensivas, e, como sempre, encerrou com brilhantismo.

Deixando o saudosismo de lado, sobre a sustentação oral da defesa, é bom que se diga que a defesa pode sustentar não só uma tese, mas duas, três, quatro, quantas achar necessária, eis que, diferente da acusação que se prende em só uma tese, a tese de simplesmente acusar, a defesa pode pedir a absolvição, desclassificação do crime, decotar  (suprimir) qualificadoras, apenas pedir que a pena seja diminuída, pode literalmente passear pelo código penal.

Meu ex-professor, meu colega nas cátedras do UNIARAXÁ e atual juiz criminal dessa comarca, Renato Zupo, sempre em suas aulas nos dizia que acusar é muito mais difícil do que defender, já que a defesa tem diversas possibilidades, diversas teses, enquanto a acusação só se prende a uma tese, acusar, não podendo diversificar suas teses.

Encerrando a defesa sua sustentação oral, a acusação volta para a chamada réplica, por menos tempo, mas, rebatendo tudo que foi dito pela defesa. Encerrada a acusação pela segunda vez, volta à defesa para a chamada então tréplica, quando reafirma suas teses e encerra o debate. Muitos acham que isso ajuda, pois as últimas palavras é que ficarão na cabeça dos jurados, o que eu discordo, pois os jurados ouviram os dois lados por horas e, independente de quem encerra, já formaram sua convicção.

Esse negócio de réplica, tréplica parece àqueles brinquedos da infância, vai e vem, quando cada um fica de um lado e uma coisa oval é arremessada cada hora para um lado ou, parece mesmo até pingue-pongue, um vai e volta danado, mas na verdade trata-se de respeito ao princípio da paridade de armas, de se tratar igualmente, com igualdade ambas as partes, já que, se a defesa pode se utilizar de qualquer tese em sua primeira fala, pegar a acusação de surpresa, e assim, injusto seria, a acusação não poder  voltar para a réplica e retrucar o que disse a defesa no início, pois, se assim não fosse,  a defesa poderia dizer qualquer coisa aos jurados e, a acusação ouviria calada, sem poder contestar após. Por isso, cada parte tem duas vezes para falar.

Após todas as falas, os jurados votarão os chamados quesitos, responderão apenas SIM ou NÃO, não precisando explicar o porquê estão votando. Através desse voto, a vida, a liberdade de um réu é decidida e o que os jurados decidirem, em respeito ao Princípio da Soberania dos Veredictos, deve prevalecer. Mas nem sempre é assim, essa é a verdade, eis que existe um tribunal em segunda instância que pode modificar a decisão dos jurados. Mas isto é assunto para outra edição.

Já caminhando para o fim desta última edição, ressalto que os jurados têm o poder, a decisão e, principalmente, a responsabilidade de decidirem qual crime realmente existiu, se o réu deve ser condenado ou se deve ser absolvido, por agir em legítima defesa, por exemplo, ou se o réu não é o autor do crime, se não foi ele quem cometeu o crime ali imputado.

Após os sete jurados votarem, o processo volta para o juiz e, se os jurados entenderem que o réu é culpado, independente do crime que entenderem ali existir, o juiz é quem fixa a pena, é quem decide o tempo de pena, o que chamamos de dosimetria da pena. Jurado apenas decide se o réu deve ser absolvido ou não, ou se o crime ali sustentado pela acusação não existe, se é na verdade um crime menor, sustentado pela defesa.

O papel dos jurados, reitera-se, é o mais importante do dia do julgamento, pois como dito acima, decidem a liberdade, a vida de um semelhante.

Com o voto dos jurados,  o juiz, conclamando para que todos fiquem em pé, momento mais aguardado pelo réu, imprensa, público que acompanha o julgamento, passa a leitura do veredicto, da sentença. Assim, chega ao fim o julgamento.

E assim encerramos o assunto “Tribunal do Júri”, que para muitos operadores do direito é o ápice do advogado criminalista, aonde sua voz ecoará de verdade, no chamado tribunal sagrado, aonde o advogado pode realmente demonstrar o que é defender ou acusar um ser humano de verdade.

Como dito na última edição, logo trarei casos concretos e histórias de júris que vivi nesses 16 anos de militância criminal nos tribunais deste nosso país.

Abraços a todos os leitores e aqui deixo meu desejo por um 2023 de muita saúde, sucesso e paz.

Meu muito obrigado! Fiquem todos com Deus!!!

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